domingo, 3 de janeiro de 2016

[Conto Especial] 365 dias e 2 razões para odiar o primeiro dia do ano

Oi gente!!!!!!!! Tudo bem? O primeiro post do ano é uma surpresa! Já fiz isso por aqui ano passado e este ano trago alguém comigo! Eu já escrevi um conto e publiquei em quatro partes, mas em 2016 eu e a cronista mais linda desse blog, a Sarah Gomes - minha BFF - , juntamos nossas ideias sobre Réveillon e escrevemos um conto sobre. Ele vai ser dividido, claro, e postado em cada domingo desse mês de janeiro. Espero que vocês gostem e curtam "nossas meninas". Comentem o que estiverem achando! :)






Era uma vez uma princesinha que vivia no mais lindo dos castelos com o rei e a rainha. Apesar de ser pequena, ela amava desenhar tudo à sua volta... Seus pais sorrindo um para o outro, a comida do castelo, a alegria em brincar com a melhor amiga, os passeios no jardim e o quanto sua vida era feliz. Mas ela se esqueceu de uma cena... A cena onde sua mãe dá as costas para aquele reino seguindo pelos caminhos dourados, para perseguir seu sonho. E desde aquele princípio de ano, sua vida nunca mais foi a mesma.
Parece um conto de fadas, no entanto nem tudo na vida é rodeado de pó de fada, magia, princesas destemidas, príncipes encantados e muito menos finais felizes. Eu continuo morando com o meu pai desde que a rainha foi embora e trancada no meu quarto há horas tentando encontrar uma solução... Para o meu trabalho da faculdade. Quem mandou escolher arquitetura? Mas ter passado entre os primeiros lugares da UFMG há quase três anos foi mais do que um orgulho para o meu pai, foi um orgulho pra mim. Sempre gostei de desenhar e até pensei em design, mas quando a minha escola fez uma feira de profissões, logo me enxerguei como arquiteta. E involuntariamente, olhando para a janela do meu quarto que dá para a tranquila Praça da Liberdade em uma tarde de sexta e fim de ano, me vejo preenchendo a folha branca que estava na minha frente desde o começo do dia. Só que não com o trabalho da escola, mas um desenho... Uma garota de vestido não mais branco andando de costas para o final de uma rua, enquanto um garoto no início da folha, olhava-a ir embora. Já vão fazer cinco anos desde que aquele dia me fez mudar mais do que eu já tinha na vida. Meu ano novo com quatorze anos, impossível de esquecer. Acho que achei uma saída para o meu trabalho, mas tampouco para os meus pensamentos que insistem em voltar para aquele dia.


Era uma tarde linda do dia 31 de janeiro de 2010 e eu estava louca para terminar minha mala logo e viajar dali a uma semana com a melhor amiga do mundo em mais uma viagem inesquecível, assim como todas as nossas outras. Mas essa seria um pouco mais especial. Era uma viagem de 15 anos para o lugar mais encantado do mundo: a Disney. Meu aniversário era no final do mês e o da Mary em março, mas a gente queria tanto essa viagem que o meu pai e os pais dela concordaram. Estávamos indo para Orlando de excursão com um monte de outras meninas da nossa idade!
“Aurora, filha, eu só vou no escritório buscar meu celular que esqueci e já volto, ok?”, meu pai entrou pelo quarto espalhando sorrisos e me deu um beijo depois de sair. Ele trabalha em uma construtora, é engenheiro civil, então acho que boa parte do meu talento veio dele. Em contra partida, todo o resto veio dela. Os metros de altura, o cabelo castanho claro, que eu fiz questão de cortar para criar uma diferença entre nós. Eu nunca iria tingir meu cabelo, apesar de tudo, amo meu tom. Os olhos negros como duas jabuticabas, o nariz pequeno e o corpo quase-violão. Tirei todas as fotos que tinha dela em casa e queimei quando eu tinha 10 anos, duas Giselas em casa era demais pra mim. “Tudo bem, pai. Não se esqueça de irmos mais cedo pra casa da Mary, tá?”, ele afirma com a cabeça e sai em seguida.
Depois que a minha mãe resolveu seguir carreira solo em todos os campos da vida dela, eu passo quase todas as datas comemorativas com a Mary. Meu pai e os pais dela se dão super bem e quando não conseguimos passar juntas é por causa da minha família em Nova Lima, a da parte paterna, claro. Conheci aquela princesa, e ela realmente se parece com uma e provavelmente vai morar na Disney e me abandonar quando a gente chegar lá, logo depois que a Gisela nos deixou. Eu estava triste no meio do jardim da escola, na hora do intervalo e ela me chamou para brincar com a Cinderela dela. Eu nunca gostei de bonecas, mas o sorriso daquela única amiga me fez dar um sorriso também, um lindo, como em muito tempo eu não abria minha boca para dar. E a partir daquele momento, nos tornamos inseparáveis.
Ela mora em uma linda cobertura em Mangabeiras e a minha infância toda eu fui atormentada por ela pra começar a vestir roupas clean e de princesa, até porque eu sempre fui a cara do rock e todas as vezes que eu ia na casa dela, Mary arrumava um jeito de me fantasiar de princesa. Dessa vez eu já fui a caráter para não ter que escutar ela no meu ouvido. De repente olho no espelho e vejo o tamanho do sorriso que toma conta do meu rosto. Depois do meu pai, a Mary é a pessoa mais importante da minha vida. Coloco o vestido branco, termino a mala e fico trocando mensagens com ela até que meu pai volta do escritório para gente ir pra casa dela.
No caminho, coloquei um CD do Maroon 5 pra tocar e já entrei em clima de virada de ano. Abri o vidro e senti a brisa, enquanto meu pai cantava junto comigo as letras. Parece que todo o esforço de deixar as músicas tocando 24h valeu algum esforço. Chegamos na casa da minha “best” e dou um imenso abraço nela enquanto Mary faz questão de elogiar meu look. O vestido curto branco com calda atrás fez sucesso no fim das contas. Meu pai já sabe o caminho da sala, então vou para o quarto cor-de-rosa dela ajudá-la a encontrar um vestido branco no meio de um milhão. Vou em direção a estante dela e pego um livro com uma garota na capa, de vestido branco.
“Pega um parecido com esse, você vai ficar linda”, mostro o livro e ela dá um sorriso. Se enfia no banheiro, enquanto fico folheando o livro. Ficamos no quarto dela comendo brigadeiro, que ela tinha escondido, ficamos conversando e discutindo as possibilidades de não sobrevivermos ao ensino médio e outras fofocas da escola. Férias e a gente nunca consegue se desligar. Acho que não medimos o tempo da conversa, pois quando olhamos o relógio já são nove horas. Descemos e cumprimentamos todo mundo e a Mary vai tirar umas fotos com a mãe, enquanto vou procurar o meu pai, que estava conversando animadamente com a tia da Mary. A Olívia é muito gente boa, morena e muito bonita. Já conversei com ela várias vezes em aniversários da minha melhor amiga, mas é a primeira vez que a vejo com o meu pai. Deixo eles conversando e sento em uma mesa. Pego uma taça de champanhe e dou um gole. Acho que estou provando estrelas e o gosto é muito bom, apesar de o mundo ter girado um pouco. Não quero nem imaginar se eu ingerisse algo mais forte. Como alguma coisa e mais tarde, quando vou procurar a senhorita da casa, não a vejo na sala e já imagino que deve estar suspirando na piscina. Ela adora ficar sozinha e eu adoro estragar isso de um jeito bom.
Ela parece cansada de manter a pose para os convidados, mas é sempre a mesma comigo, mesmo que com uma pitada de bipolaridade. A Mary está deitada em um banco e a puxo para irmos para as espreguiçadeiras, observar as estrelas e sonhar com os próximos dias onde estaremos na concretização do maior dos nossos sonhos. Mais uma vez perdemos a hora e só conseguimos escutar a mãe da Mary gritar, o que ela imagina ser para se reunir para a contagem regressiva, mas ela não vai. Fica ali comigo. Damos as mãos e observamos os primeiros fogos explodirem no céu. Porém o segundo grito dá voz à casa e a Mary realmente se levanta e sai correndo se despedindo de mim. Eu fico alguns segundos observando as luzes irem e desaparecerem quando me ligo que tenho que procurar o meu pai e desejar feliz ano novo.
Me levanto e caminho em direção ao último lugar em que o vi, a casa já está esvaziando, mas dessa vez ele está no canto oposto à sala de estar, falando ao telefone. Quando ele desliga, me assusto pela cara que ele fez e pior ainda quando encontra meu olhar. Eu não consigo sair do lugar por algum motivo, só sento, e as lágrimas já começam a rolar. Ele vem se aproximando aos poucos e me abraçando de lado. “Ela morreu, filha.”
Só uma vez que tive um momento feliz com a minha mãe. Estávamos na nossa antiga casa, onde havia um jardim enorme e lindo. Eu tinha três anos e ela tinha deixado eu ir brincar com os pássaros e de repente eu gritei de dor, não tinha visto nada. Momentos depois eu abri os olhos e a vi do meu lado, colocando um curativo no meu joelho. Eu tinha caído da árvore para salvar um passarinho. “Está tudo bem, querida. Está tudo bem.”
Ela não parava de repetir essas palavras até que um sorriso apareceu no meu rosto. Olhei em volta e percebi que estávamos na sala de estar, no banquinho do piano dela e me sentei para que dividíssemos o banco. A dor havia passado. Ali agora só tinha um coração ferido por não ter conseguido pegar o filhote... “Ele vai ficar bem, Aurora, mas você tem que se deixar ficar primeiro”, e então ela começou a tocar uma música no piano e disse para que eu apertasse uma tecla quando ela pedisse. E de repente, apenas eu, ela, os Beatles e o pássaro preto dividíamos o cômodo.

Tome essas asas quebradas e aprenda a voar

Não lembro do meu pai ter me conduzido até o carro, só percebi que estava dentro dele quando escutei a voz da Olívia. “Me liga João Carlos, vai ficar tudo bem.” Acordei do meu transe e já estávamos indo embora, no meio dos fogos e com Maroon 5 ainda tocando no player. Aumentei o volume e não quis saber de mais nada. Eu ainda estava chorando sem conseguir processar alguma coisa quando meu pai desligou o rádio e me fez olhar pra ele, o carro tinha parado embaixo de um sinal vermelho. “Aurora, filha, olha pra mim.”
“Pra que?”
“Você não...”
“Quer saber como aquela mulher morreu e conseguiu estragar a minha vida toda?”
“Foi overdose, Aurora. Essa madrugada. E acho que você sabe muito bem o que é isso.”
Ele percebeu o quanto eu estava indiferente e voltei a olhar pra fora, pelo vidro e o sinal ficou verde. Claro que eu sei que minha mãe se drogou e em suma, ela preferiu isso a nos escolher. Parece que nem a música serviu de disfarce por muito tempo.
Parei de chorar repentinamente e não quis saber de mais nada. Eu só precisava dela agora, mas ao mesmo tempo não. Foi uma dor inexplicável e sai do carro em movimento, no meio do trânsito sem dar nenhuma explicação ao meu pai. Ele provavelmente deve ter ficado louco, parado e saído do carro no mesmo momento que eu, mas eu corri. E corri o quanto pude para ir para qualquer lugar, queria ficar sozinha. O único som que eu conseguia ouvir, era do meu coração, fora isso, nem os carros buzinando quando quase fui atropelada, ou uma mulher que fez cara feia para mim e provavelmente estava gritando, eu não consegui ouvir. Nada. O mundo começou a girar e a ficar em silêncio. Aquela cidade era a Terra e eu, o Sol.

Voe pássaro, no clarão da noite escura!

Coloquei a mão na cabeça ao acordar e ver no relógio... Sete e dez. Dois de janeiro. Eu estava em casa e tinha dormido por quase dois dias inteiros! Que tipo de pessoa faz isso? Mas daí lembrei-me da merda que eu fiz e vi meu pai dormindo na poltrona do meu quarto. Eu literalmente voei há duas noites, só que para o lado oposto do esperado.
Peguei um ônibus e sentei no banco, enquanto olhava para o meu vestido. Sujo, sujo e sujo. Parecia mais um vestido do Dia das Bruxas do que do Réveillon. Olhei as horas do meu celular, uma da manhã mais milhões de chamadas perdidas do meu pai, na verdade metade da Mary e uma mensagem de texto. Desliguei o celular e chorei até que um bom tempo depois resolvi descer do veículo e me deparar com a Praça da Estação abarrotada de gente e com uma dupla sertaneja animando o palco.
Sentei em um banco, bem distante da multidão, e fiquei observando as pessoas pularem e comemorarem a virada do ano. Eu queria era gritar, chorar mais um pouco as lágrimas que ainda haviam sobrado e sumir do mundo. Como eu saí da barriga de uma mulher que me abandonou tempos depois e nem se deu ao trabalho de me mandar um, sequer UM Feliz Ano Novo, durante todos esses dez anos?
“Belo vestido”, eu escuto uma voz grave, mas linda do meu lado. Eu estava olhando pra frente há séculos que nem reparei que tinha alguém do meu lado. Era um garoto dos olhos mais lindos que eu já vi e um sorriso mais bonito ainda. Deveria ser uns dois anos mais velho que eu, já que estava com... Uma cerveja na mão. Fiquei calada e ele me olhou de esguelha, acho que acabei de me tornar o primeiro desafio do ano dele.
“Você é calada assim?”, ele perguntou depois de dois minutos constrangedores de silêncio. Peguei a cerveja da mão dele, cheirei e devolvi no mesmo instante. Eu não ia me tornar uma versão fracassada da minha mãe. Dela. “Calada só com quem merece”, digo e olho para o palco novamente. “Não quer tomar?”, ele me oferece e balanço a cabeça.
“É... Eu na sua idade não faria isso”, ele olha para o outro lado, dá um último gole e joga a latinha em uma lixeira próxima.
“Cadê seus pais? Vai passar o início de ano sozinha é?”
“Cadê a namorada? Vai passar o Réveillon chupando dedo, é?”
“Ui, a gata mia. Então... Gata,não tenho namorada, briguei com meu irmão agora pouco e deixei ele refrescar a cabeça. Tô fazendo a mesma coisa na verdade, já que vim ver os shows com ele. Meu nome é Vítor, a propósito”
“Aurora”
“Ah, é você mesma que eu vim encontrar hoje assim que a madrugada desaparecer.... A manhã...”, ele faz cara de idiota e dou um soquinho nele. “Desculpa, você não gosta do seu nome não?”
“Gosto sim, obrigada por perguntar. Quantos anos você tem?”
“Fiz dezoito há uma hora atrás... E você? Uns quinze?”, dou um sorriso por ser aniversário dele, mas não dou os parabéns.
“Quase isso...”, dou um sorriso amarelo e ele segue meu olhar. Eu nunca tinha visto isso em garoto nenhum, o poder para me curar de qualquer coisa que estivesse afligindo meu coração. Ele me fez sonhar por alguns segundos naquele olhar.
“Você não me parece nova, eu só estava te zoando por causa da cerveja ok?”, ele tenta desfazer o mal entendido, mas eu fico sem entender por ele me tirar do transe. “Bom, você é alta, vi você de longe, tem corpo... Te daria uns dezesseis.”
Então quer dizer que ele estava me observando e que implicitamente tinha me achado bonita? “Além do mais, há o brilho no seu olhar, ele quem te entregou”
“Brilho?”, eu me assusto e olho pra ele.
“É”, Vítor abre um sorriso e não explica mais nada. Peço licença e ele diz que vai pegar outra cerveja, enquanto eu compro algo para beber em um barzinho ali perto. Tem muito tempo que não como nada. Não vi onde exatamente eu comprei minha “água”, mas sinto uma leve tontura, como do gole de champanhe, depois de ter tomado quase tudo do copo. Volto para o mesmo banco e sento. Fico tonta de verdade e não é efeito da minha mãe girando meu mundo, mas sim o que eu tomei. Vejo o Vitor se aproximando de novo, só que ao invés do rostinho bonito, vejo uma cara imensa de preocupação chegando cada vez mais perto de mim, rapidamente.

Tome esse olhos cavados e aprenda a enxergar

Não importa o que eu bebi, só sei que acordei uma hora depois com o cafuné do garoto que eu mal conheço e mesmo assim tomou conta de mim. Eu ainda estava tonta e fui levantando devagar.
“O que... Quantas horas...”
“Você desmaiou e estava tão bonitinha dormindo que eu nem acordei. São duas e pouco, Aurora.”
“Ai...”, passei a mão na cabeça e ele logo pegou na minha cintura.
“Você tá bem?”, ele chegou cada vez mais perto.
“Tô sim, eu só...”, e inesperadamente vários flashbacks vieram à minha cabeça... Um choro, meus pais brigando, eu vendo-a ir embora pela janela e não chamar meu pai, o último choro do Sr. João, as minhas crises, a ligação...
Saio correndo e sinto o Vitor correndo atrás de mim e gritando meu nome. Me enfio no meio das pessoas, sou xingada, sou pisada e piso alguns pés também e depois de um longo tempo chego ao destino final: o palco. Consigo subir, mas no minuto final dois grandalhões me pegam pelas costas e me levam para trás do palco. E sem nenhum cuidado, me jogam, literalmente, no chão.
Nem queria falar no microfone umas verdades sobre a cantora que veio no Reveillon ano passado cantar em BH e nem se deu ao trabalho de ver a própria filha mesmo. Começo a chorar por ter fracassado no meu plano repentino e tudo vem a tona na minha cabeça de novo. Ela começa a doer demais e eu fico sentada no meio da rua, xingando minha mãe morta, até que dois braços, da mesma pessoa, me levantam do chão, mas ao contrário dos seguranças, me abraçam e fazem com que eu me sinta segura. Começo a chorar mais forte ainda e ele não quer saber o motivo do meu desespero, apenas quer que eu sinta que ele está ali. Solto-me de seus braços e olho pra mim mesma. Suja, molhada, com vergonha e com certeza com um pai desesperado em casa e um gato olhando pra mim. Levanto meu olhar e meu rosto já está entre suas duas mãos. Eu sou quase da altura dele, graças a minha mãe, então ele não tem esforço nenhum para deixar nossos lábios se encontrarem. E ali, eu deixo toda a angústia de lado e me entrego a ele, Vitor o desconhecido, que está pedindo para cuidar de mim com esse beijo, suave, delicado e cheio de sentimento entre duas pessoas que se conhecem há o que? Nem três horas? Um gato desses, maior de idade, beijando uma garota de quase 15 anos só pode estar me usando. Mas meu coração está dizendo que é verdadeiro e quando eu me desvencilho dele, vejo uma coisa em seu olhar que me faz acordar dessa noite: esperança. Uma coisa que eu acabo de perder quando afastei meus lábios dos dele.
“Feliz Aniversário”, eu sibilo.

Viro-me e vou caminhando para casa, para a realidade que me espera. Ele talvez nunca vá entender minhas razões e provavelmente possui uma vida tão complicada quanto a minha por trás daquele olhar. Coloco o dedo nos lábios e fecho os olhos me lembrando desse momento perfeito. A maior realidade que encontro é que isso não pode ser real, eu devia estar em casa, fiz besteira e meu pai vai me matar. Mas daí, me vem outra realidade. É Ano Novo, e apesar de eu ter um motivo para comemorar, eu não faço mais isso, pois não é possível que um motivo possa apagar um turbilhão de verdades que nunca vão deixar de andar às minhas costas. A cada passo, minha vida está cada vez mais próxima de ser mudada... Mais uma vez. E agora, em direções que eu mesma não esperava.


* * *


          Enfim o dia 31 chegou. Para pessoas comuns é a hora de comemorar: fazer uma festa, chamar os amigos e familiares e curtir junto com eles esperando a chegada do novo ano. Infelizmente para mim faz muitos anos que eu não sou comum...
          A virada do ano perdeu toda a graça no réveillon de 2011. Estávamos reunidos na cobertura do apartamento dos meus pais como era de costume. Estavam presentes meus pais, o pai da Aurora, alguns amigos de longa data dos meus pais, alguns colegas de trabalho do meu pai, a Aurora – minha melhor amiga e eu.
          Cansada de sorrir para todas aquelas pessoas o tempo todo, fui sentar num banco ao lado da piscina e ali fiquei observando a lua refletida na água. Aquela sim era a vida que me fazia feliz: Eu era a primeira aluna da classe, meus pais eram apaixonados um pelo outro e tinha a melhor amiga-irmã que alguém poderia ter, a Aurora. Desde que me entendo por gente nós somos grudadas. Foi com ela que sempre passei as minhas férias e as piores e melhores experiências.
          Estava mergulhada nas minhas lembranças que nem percebi que não estava mais sozinha, Aurora havia se juntado a mim.
          - Cansou de sorrir, Mary? - Perguntou ela, me entendo completamente apenas com um olhar.
          - Sabe como é, não consigo manter a pose por muito tempo. – Falo isso dando uma piscadela para enfatizar a brincadeira.
          - Mais um ano se inicia. Já perdi a conta da quantidade de réveillon que já passamos juntas... – Disse Aurora saudosa.
          - A nossa vida toda foi assim. Muita união e agito. Mas esse ano será diferente. Além de fazermos 15 anos, o nosso presente será a realização do nosso sonho de criança. Visitar a Cinderela e todos os personagens da Disney será inesquecível! - Digo isso com os olhos brilhando e percebo que os dela também se acendem.
          - Essa viagem será tudo de bom, mal posso esperar! – Diz ela fazendo cócegas na minha barriga.
          Ficamos ali conversando e fazendo planos para a nossa viagem, para o futuro e todas as aventuras que viveríamos naquele ano. Ah! Se eu soubesse o quão errado estava naquele momento...
          Mais uma vez me perdi nos meus devaneios e fui retirada deles com os fogos de artifício. Era oficial: 2011 havia chegado com força total! Lá pelas tantas, a Aurora já havia ido embora, não me sentia na obrigação e ficar fazendo sala para os convidados, mas lamentavelmente para mim, isso não valia para a dona Marilia, minha mãe. Que me obrigou a manter a pose até o final da festa. Quando minha mãe e eu levamos até a porta o último convidado, nos dirigimos até os quartos exaustas.
           Quando passamos na porta do quarto de hospedes ouvimos uns gritinhos e risadinhas finas demais para pertencer ao homem da casa, o senhor Gustavo. A minha mãe ficou intrigada e abriu a porta. Meu digníssimo pai estava embaixo dos lençóis com uma colega de trabalho, a Kátia. Após ver aquela cena, minha mãe e eu tivemos reações completamente diferentes.
          A minha mãe entrou em choque e começou a chorar desesperadamente observando aqueles dois num canto do quarto. Já eu tive um acesso de fúria e quando percebi já estava puxando os fios platinados daquela oferecida. Aos gritos de repressão do meu pai, o choro da minha mãe e aos gritos de dor da tal Kátia, coloquei aquele ser desprezível para fora da minha casa com apenas as roupas do corpo, ou melhor, os lingeries do corpo.
          Depois disso voltei àquele quarto e peguei a minha mãe para sairmos dali, já que ela continuava paralisada aos prantos. Fiz isso incapaz de olhar para o homem que até 10 minutos atrás era o homem mais importante da minha vida. Fomos para o meu quarto e ela continuou chorando, gostaria de desidratar de tanto chorar mas precisava me manter forte por ela. De tanto chorar dona Marilia acabou dormindo. E, pela primeira vez depois que a minha vida havia perdido as cores, chorei como se não houvesse o amanhã.
          No outro dia, acordei e logo percebi que a minha cama estava mais vazia do que na noite anterior. Levantei e tomei o banho mais longo da minha vida. Quando sai do quarto percebi que a casa estava completamente em silêncio. Ao passar na porta do quarto dos meus pais minha progenitora estava arrumando as malas. Aparentemente estava tão elegante como sempre fora apenas as olheiras denunciavam a turbulência da noite passada. Ela me disse que iriamos embora e eu apenas obedeci, arrumei minhas malas e prometi para mim mesma que nunca mais pisaria naquele lugar e muito menos encontraria o seu dono.
          Desde então, nunca mais vi o meu pai. No início ele insistia em me ver, mas depois de um tempo ele desistiu. Sempre no meu aniversário ele fazia questão de me mandar presentes, seja para que eu o perdoasse ou para amenizar sua culpa, nunca deu certo por que joguei todos fora. Ele não me compraria com presentes.
          Minha mãe e eu nos mudamos para São Paulo e hoje, 6 anos depois desse incidente, nós vivemos felizes em uma casa simples, mas cheia de amor. Costumamos brincar que a nossa casa é como a terra do nunca, nenhum mal é capaz de afetá-la.
          O meu conto de fadas foi interrompido, mas ninguém nunca me disse que existia um limite de histórias que uma pessoa possa viver. E é exatamente isso que estou fazendo agora a menos de uma semana para o réveillon de 2016. Mas esse final feliz começou diferente: sem o cretino do meu pai, sem a minha melhor amiga que nunca mais ouvi notícias depois da minha mudança e da morte da mãe dela, com o meu curso de relações internacionais na PUC SP, o Guto meu namorado mais que perfeito que me fez acreditar novamente no sexo oposto e claro, com um ódio crescente de Réveillon.
          Mas conservo em mim a essência da menina sonhadora que fui até os 14 anos, não permiti a mim mesma que isso mudasse pela minha mãe e para provar ao meu pai que mesmo com as besteiras que ele fez não me deixei afetar. Sigo a minha vida carregando esse fantasma do passado, mas quem sabe isso mude algum dia...






Um comentário:

  1. Adorei o conto, ler ele agora no começo do ano da um up nas ideias. O conto retrata a vida como ela é, parabéns!

    Beijos,
    Joi Cardoso
    Estante Diagonal

    ResponderExcluir